Gostaria de reagir a esta mensagem? Crie uma conta em poucos cliques ou inicie sessão para continuar.

LIVRO: 1889, de Laurentino Gomes

2 participantes

Ir para baixo

LIVRO: 1889, de Laurentino Gomes Empty LIVRO: 1889, de Laurentino Gomes

Mensagem por Dornberger Sex Set 06, 2013 10:06 am

Dando sequência à trilogia começada com 1808, a chegada da Corte portuguesa ao Brasil, e 1822, que trata da Independência, em 1889 o jornalista, escritor e dublê de historiador Laurentino Gomes narra a morte do Império e o nascimento da República brasileira.
"1889 : como um imperador cansado, um marechal vaidoso e um professor injustiçado contribuíram para o fim da monarquia e a proclamação da República no Brasil" descreve o primeiro de uma longa série de golpes militares tramados à revelia da vontade popular e que criou o precedente perigoso de transformar a classe militar no Poder Moderador de nossas instituições...
Encontra-se os livros da trilogia 1808, 1822 e 1889 disponíveis em formato eletrônico para fins de avaliação. Em se gostando, a compra dos mesmos com certeza enriquecerá a sua biblioteca...
Abaixo, o capítulo que descreve a reação da população aos eventos de 15 de novembro, e que tem o apropriado título de:

18. OS BESTIALIZADOS
NO ROMANCE ESAÚ E JACÓ, o escritor Machado de Assis descreve de forma bem-humorada as aflições de um de seus personagens às voltas com os acontecimentos de 15 de novembro de 1889. Custódio, o fictício dono de uma confeitaria situada na rua do Catete, acordou naquela manhã alarmado pelas notícias a respeito da Proclamação da República. Dias antes, por infelicidade, havia encomendado a pintura de nova placa para identificar, com letras bem grandes e coloridas, o nome de seu estabelecimento:
Confeitaria do Império.
Combinado o preço, Custódio voltara tranquilo para casa deixando o pintor às voltas com o seu trabalho. Só ao acordar na manhã do dia 15 deu-se conta da confusão em que se metera. A Monarquia brasileira, que ele pretendia homenagear com a placa, acabara de cair. Era preciso sustar a pintura imediatamente. “Pare no d...”, foi a mensagem que despachou com urgência para o pintor. Para seu desespero, no entanto, descobriu que o profissional já concluíra a tarefa. Lá estava agora a nova placa, com a tinta ainda fresca anunciando:
Confeitaria do Império.
E logo no centro da cidade, onde militares e civis republicanos comemoravam a queda do antigo regime e a instalação da República!
Custódio rapidamente chegou à conclusão de que deveria providenciar a mudança do nome e a confecção de outra placa. Antes, porém, foi pedir a opinião do vizinho, o sábio e experiente conselheiro Aires. Manter “Confeitaria do Império”, concordou Aires, poderia soar uma provocação ao novo regime.
— Que tal “Confeitaria da República”? — sugeriu.
À primeira vista, parecia boa ideia, mas Custódio lembrou-se de que, àquela altura, o ambiente político continuava incerto. Algumas pessoas ainda acreditavam na restauração da Monarquia e, se houvesse uma reviravolta nos dias seguintes, perderia dinheiro mandando pintar a nova placa. Uma alternativa seria mudar para “Confeitaria do Governo”, designação que, segundo explicou Aires, “tanto serve para um regime como para outro”. O precavido Custódio ponderou que, também nesse caso, haveria problemas. Nenhum governo deixa de ter oposição. Os adversários do novo regime poderiam quebrar-lhe a tabuleta. A solução por fim adotada foi:
Confeitaria do Custódio
Seria essa, portanto, a nova denominação do estabelecimento, levando em conta que “um nome, o próprio nome do dono, não tinha significação política ou figuração histórica, ódio nem amor, nada que chamasse a atenção dos dois regimes”, conforme ponderou-lhe o conselheiro Aires.[320]
Essa curiosa anedota literária resume o clima de espanto da população do Rio de Janeiro naquele dia. Fruto de uma conspiração entre militares e um número reduzido de civis, a Proclamação da República pegou a todos de surpresa. Ao ver o desfile das tropas comandadas por Deodoro no centro da cidade naquela manhã, ninguém saberia dizer com certeza do que se tratava. O tom do noticiário parecia contraditório. Havia uma revolução em andamento, anunciavam os jornais, mas o clima geral era de ordem e tranquilidade.
“Ninguém parecia muito entusiasmado”, relatou o correspondente do jornal americano The New York Times. Segundo ele, ao passar pela rua Primeiro de Março, no centro da cidade, os militares vitoriosos deram vivas e confraternizaram com os civis, mas não receberam de volta nenhuma demonstração de entusiasmo popular.[321] “O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava”, afirmou o jornalista e chefe republicano Aristides Lobo em artigo para o Diário Popular, de São Paulo. “Muitos acreditavam sinceramente estar vendo uma parada. Era um fenômeno digno de ver-se.” No mesmo artigo, Aristides Lobo explicava que, “por ora, a cor do governo é puramente militar”, uma vez que “o fato foi deles, deles só, porque a colaboração do elemento civil foi quase nula”.[322]
Depoimentos de outras testemunhas confirmam o clima geral de apatia. O embaixador da Áustria no Rio de Janeiro, conde de Weisersheimb, em relatório despachado para Viena cinco dias após a Proclamação da República, afirmou:
A grande massa da população, tudo quanto não pertencia ao Partido Republicano, relativamente fraco, ou à gente ávida de novidades, ficou completamente indiferente a essa comédia, encenada por uma minoria decidida.
Semelhante foi o relato do embaixador francês, conde de Chaillou, no dia 18 de novembro:
Dois mil homens comandados por um soldado revoltado bastaram para fazer uma revolução que não estava preparada, ao menos para já. Informações particulares permitem afirmar que os próprios vencedores não previam, no começo do movimento, as condições radicais que ele devia ter.[323]
As notícias da queda do Império se espalharam rapidamente graças ao telégrafo. Na tarde de 15 de novembro, seguindo instruções de Benjamin Constant, o tenente José Augusto Vinhais tomou posse da Repartição Geral dos Telégrafos no Rio de Janeiro, até então chefiada pelo barão de Capanema. Dali passou a disparar mensagens para os presidentes das províncias anunciando a implantação da República, embora até aquele momento o novo regime ainda não estivesse oficializado pelo governo provisório. Ao contrário do que se poderia esperar, a repercussão diante de tão extraordinário acontecimento foi mínima. A resignação foi geral.
Curiosamente, a reação monárquica mais importante ocorreu na Bahia, liderada por ninguém menos do que o irmão do marechal Deodoro, o general Hermes Ernesto da Fonseca, governador de Armas da província. Ao receber as notícias do Rio de Janeiro, Hermes da Fonseca anunciou que permaneceria fiel ao imperador Pedro ii. Às dez horas da manhã do dia 16, despachou um telegrama ao governador do Pará, Silvino Cavalcanti de Albuquerque, no qual avisava que pretendia resistir à República. Pedia que Silvino o acompanhasse na decisão. De início, o governador paraense concordou, mas no meio da tarde foi obrigado a renunciar, depois que tropas leais a Deodoro, incluindo o contingente do Corpo de Bombeiros, cercaram o palácio em Belém. Ao deixar o cargo, Silvino lavrou um protesto em nome “do direito, da honra e da pátria”, que entregou ao chefe republicano Paes de Carvalho.[324]
Enquanto isso, na Bahia, o general Hermes da Fonseca capitulava ao saber que o próprio irmão liderava a Proclamação da República e que, àquela altura, o imperador já estava a caminho do exílio na Europa. “Eu sou republicano desde o dia 15 de novembro, mas o meu irmão Hermes é de 16”, diria mais tarde o marechal Deodoro, ao se referir ao episódio de forma divertida.[325]
Com exceção desse caso pitoresco, os protestos em outras regiões do Brasil foram isolados e sem consequência. Em Desterro, atual Florianópolis, ao ouvir a notícia do golpe no Rio de Janeiro, os soldados de um batalhão do Exército se sublevaram dando vivas à Monarquia. “Foi necessário mandar fazer fogo, resultando dois a três mortos”, anunciava um despacho enviado a Benjamin Constant, ministro da Guerra. Segundo o mesmo documento, cerca de trinta soldados ainda estavam desaparecidos. No Maranhão, um grupo de ex-escravos, que julgava dever sua libertação à Monarquia, foi igualmente reprimido a tiros pelo comandante do 5º Batalhão do Exército, major Tavares Torres, adepto do positivismo republicano.[326]
Na foz do rio Apa, em Mato Grosso, a guarnição militar local só tomou conhecimento da queda do Império mais de um mês depois, em 20 de dezembro. Publicada a ordem do dia com a notícia, cerca de 25 soldados negros reagiram dando “morras à República” e “vivas à Monarquia”. Como os ex-escravos maranhenses, alegavam que não apoiariam a nova forma de governo porque haviam sido libertos do cativeiro pela princesa Isabel. Diante de uma ordem do comandante, que mandou prendê-los, puseram fogo no quartel. Um deles morreu.[327]
Se entre pobres, soldados rasos e ex-escravos ainda houve algum protesto, o restante da população — em especial aquela parcela que tinha alguma riqueza, poder e influência política — aderiu à República com a maior naturalidade e sem pensar duas vezes. O Senado do Império, onde tinham assento as maiores sumidades da Monarquia, não formulou qualquer voto de protesto ao se reunir pela última vez, em 16 de dezembro. “Dom Pedro ii viu-se só e abandonado”, observou o historiador Manuel de Oliveira Lima. “A Monarquia no Brasil caiu sem ter tido quem morresse por ela”, observou o sociólogo Gilberto Freyre[328]. “Esqueceram-me mais depressa do que eu esperava”, queixou-se o próprio imperador ao filho do visconde de Ouro Preto, em Paris.[329]
As adesões mais rápidas e entusiasmadas vieram de proeminentes políticos monarquistas, condes, viscondes, barões e outros fidalgos, apontados como o sustentáculo do Império. Da Europa o barão de Tefé (almirante Antônio Luís von Hoonholtz) mandou um telegrama ao marechal Deodoro felicitando-o por “ter libertado a pátria da opressão”. O barão Homem de Melo (professor Francisco Inácio Marcondes Homem de Melo) desfilou pelas ruas do Rio de Janeiro com as tropas de Deodoro na tarde de 15 de novembro. Sete dias depois mandou carta a Quintino Bocaiúva chamando-o de “meu particular amigo”. O barão da Passagem (almirante Delfim Carlos de Carvalho) elogiou os republicanos por “terem libertado a pátria de um domínio intolerável”.[330] O conde de Araruama (fazendeiro Bento Carneiro da Silva) anunciou em comunicado aos seus amigos de Macaé e Barra de São João estar aderindo à República por considerar esse “o melhor serviço que se pode fazer à pátria”. O visconde de Bom Conselho (advogado José Bento da Cunha Figueiredo) escreveu às autoridades expressando “máxima adesão e obediência” à República e desejando que o novo governo fosse feliz “na sua importante tarefa de conservar a paz interna e externa, estreitando cada vez mais os laços de íntima fraternidade entre os brasileiros”.[331]
Até mesmo o preceptor dos filhos da princesa Isabel, Benjamin Franklin Ramiz Galvão, barão de Ramiz, pulou o muro tão logo pôde. Semanas após a Proclamação da República, já tendo renunciado ao título de barão, foi nomeado diretor da Inspetoria-Geral de Instrução Pública por indicação de Benjamin Constant. Em discurso um ano mais tarde comparou Deodoro a George Washington, primeiro presidente e herói da Independência dos Estados Unidos.[332]
Entre os adesistas imperiais dizia-se que a República era “um fato consumado”, diante do qual não cabia qualquer reação. Um caso exemplar foi o de José Antônio Saraiva, o conselheiro do Império que, na madrugada de 16 de novembro, dom Pedro ii chamara para recompor o ministério, em última e desesperada tentativa de preservar a coroa. Saraiva aderiu ao novo regime dias após a partida do imperador para o exílio. Em telegrama ao ex-deputado pernambucano Ulisses Viana, no dia 20 de novembro, avisou que a República tinha chegado para ficar e que seria inútil resistir a ela. “Devemos adotá-la e servi-la”, recomendou. Um ano mais tarde, estaria entre os representantes eleitos para a nova assembleia constituinte republicana. Logo, porém, renunciou ao mandato recolhendo-se ao anonimato em seu engenho de Ipojuca, na Bahia.[333]
Atitude de rara dignidade teve o governador de São Paulo, general Couto de Magalhães, veterano sertanista, desbravador da bacia do rio Araguaia e herói da Guerra do Paraguai. Magalhães, um monarquista convicto, soube da Proclamação da República ainda no dia 15 de novembro. No dia seguinte, entregou o cargo a uma comissão formada por Campos Salles, Rangel Pestana, Martinho Prado Jr., entre outros republicanos. Foi tratado com respeito ao deixar o palácio, então situado no Pátio do Colégio, mas recusou o convite para ir ao Rio de Janeiro prestar reverências às novas autoridades constituídas. “Tendo (...) sido há pouco funcionário de alta confiança do governo decaído, julgo que a minha ida ao palácio para cumprimentar oficialmente o governo provisório não teria outro efeito além de aumentar de mais um nome a longa lista daqueles que os republicanos antigos devem considerar como pretendentes importunos dos proventos e honras de uma situação que não ajudaram a criar”, justificou-se o velho general.
O festival de adesões logo se propagou também entre advogados, escritores, médicos, jornalistas e outros profissionais. No dia 20 de novembro, um grupo de intelectuais reuniu-se no teatro Variedades com o objetivo de eleger uma comissão encarregada de “manifestar por qualquer modo ao governo provisório da República dos Estados Unidos do Brasil a adesão franca dos homens de letras do Brasil”. Entre os escolhidos para compor a representação estavam o sergipano Sílvio Romero, o gaúcho Pardal Mallet, o carioca Olavo Bilac, o alagoano Guimarães Passos e os maranhenses Aluísio de Azevedo e Coelho Neto.[334]
Em muitos casos, “não bastava aderir; era preciso tornar público o ato”, como registrou o historiador Renato Lemos.[335] Foi o que fizeram 94 médicos autores de “uma lista aberta” publicada pelo jornal O Correio do Povo na qual declaravam apoio ao novo regime. Também se manifestaram os empregados do comércio, o Centro Família Espírita, o Grande Oriente do Brasil, o diretor e os empregados da Casa da Moeda, a União Operária e a Comissão dos Homens de Letras, entre outras instituições. Um fenômeno particularmente curioso foi a corrida aos atestados de participação na Proclamação da República. Assinados por Benjamin Constant e outras lideranças, esses documentos certificavam que o requerente era republicano de primeira hora. Mais tarde, serviriam para abrir-lhes as portas dos cofres, empregos e outros privilégios nas repartições públicas.
O “fato consumado” foi também o argumento utilizado pelos republicanos civis para justificar a instalação do novo regime pela força das armas — e não pelo pronunciamento das urnas, como muitos defendiam até então. No dia 19 de novembro, o jornal A Federação, de Porto Alegre, dirigido por Júlio de Castilhos, informava:
Governa nosso Estado e nossa Pátria uma ditadura. É uma necessidade dos tempos que atravessamos. Essa ditadura foi instituída para o bem. Não é a ordem imposta pelo deslumbramento faiscante das baionetas. É a ordem natural, resultado necessário de um movimento que obedece a leis indefectíveis.[336]
Mesma linha de raciocínio seguiu o advogado Martim Francisco Ribeiro de Andrada, sobrinho-neto do Patriarca da Independência, José Bonifácio, ao explicar no dia 22 de novembro a apatia dos paulistas perante o golpe militar:
Sei que o governo militar agora triunfante discrepa da índole conservadora dos habitantes da zona paulista. Sei que, em região agricultada como a nossa, dificilmente se tolera o mando de sargentos; cumpre, porém, observar que o governo atual é ótimo, porque é o único possível (...).[337]
No Rio de Janeiro, o Diário de Notícias, jornal de Rui Barbosa, orquestrava o coro de lisonja aos militares, protagonistas e senhores absolutos da mudança do regime. “O Exército tendo tudo nas mãos, tudo deu ao povo...”, afirmava um de seus artigos. “Os militares, depois de alcançada a vitória, depositaram nas mãos do povo os destinos da nação, demonstrando não terem ambição alguma”, insistia outro texto.[338] Ao contrário do que fazia supor o otimismo desses artigos, os meses seguintes seriam de censura e repressão a jornalistas, intelectuais e eventuais opositores que ousassem levantar a voz contra as decisões do novo governo.
O regime instalado desmentia grande parte da campanha republicana que mobilizara o país nos anos anteriores. Nos discursos, agitadores populares como Silva Jardim e Lopes Trovão reproduziam a retórica da Revolução Francesa convocando o povo a participar ativamente da transformação nas ruas. O Manifesto Republicano de 1870 afirmava que a Monarquia brasileira era incompatível com soberania nacional. O poder, segundo seus autores, deveria se basear na vontade popular. O que se viu nos dez anos seguintes à implantação da República foi o oposto disso. “Os militares (...) julgaram-se donos e salvadores da República, com o direito de intervir assim que lhes parecesse conveniente”, notou José Murilo de Carvalho.[339]
Um decreto de 23 de dezembro de 1889, portanto cinco semanas após a troca de regime, ameaçava jornalistas de oposição com “as penas dos artigos de guerra, arcabuzamento inclusive”. A expressão “arcabuzamento” significava execução por arcabuz, arma típica do século xix, ou seja, fuzilamento. Em março de 1890, um novo decreto previa punições a todas as pessoas acusadas de pôr em circulação, pela imprensa, pelo telégrafo ou por qualquer outro meio, “falsas notícias e boatos alarmantes, dentro ou fora do país, (...) que se referissem à indisciplina do Exército, à estabilidade das instituições ou à ordem pública”. Na prática, era uma censura à imprensa, onde essas notícias e rumores frequentemente apareciam.
Fortalecido por esses decretos, o porrete da polícia passou a funcionar nas redações com frequência alarmante. Assustado com o clima de repressão, o jornal O Estado de S. Paulo, fundado alguns anos antes com o nome de A Província de São Paulo e que até então tinha sido porta-voz das ideias republicanas, protestou em editorial no dia 26 de março de 1890. A liberdade de imprensa, reclamava o jornal, “tem hoje na República garantias menos seguras e menos eficazes do que as que lhe dava a Monarquia”.
Em Pernambuco, a polícia mandou prender e rasgar todos os exemplares do jornal O Tribuno, que criticara os primeiros atos do governo provisório. Em 28 de março de 1890, o Diário do Grão-Pará, de Belém, teve as portas arrombadas e as caixas de tipos de chumbo empasteladas, impedindo que o jornal circulasse por vários dias. Também foram detidos e espancados os redatores do Diário de Notíciase de A Província do Pará. No Rio Grande do Sul foram presos Daniel Job, redator do Mercantil, Henrique Hasslocher, gerente da Folha da Tarde, e Carlos von Koseritz, diretor da redação do jornal Reforma. Koseritz teve um ataque cardíaco e morreu antes de ser transferido para o Rio de Janeiro. Outras notícias de ataques a jornais chegavam da Paraíba, do Ceará, do Piauí, do Maranhão e da Bahia.[340]
Na noite de 29 de novembro de 1890, a redação do jornal A Tribuna, situada na travessa do Ouvidor, número 31, centro do Rio de Janeiro, cujos jornalistas se arriscavam a criticar os atos do governo provisório, foi ocupada pelos militares. Divididos em três grupos, os assaltantes quebraram tudo o que encontraram pela frente, inclusive móveis e máquinas tipográficas. Foram espancados os redatores, revisores, conferentes, gráficos e funcionários administrativos e até clientes do jornal que naquele momento estavam sendo atendidos no balcão. Um dos revisores, Jerônimo Ferreira Romariz, morreu um mês mais tarde em consequência dos ferimentos.
As frustrações com o novo regime podem ser resumidas no telegrama que, no dia 21 de dezembro de 1889, Felicíssimo do Espírito Santo Cardoso, ex-senador do Império e capitão da Guarda Nacional em Goiás, enviou ao filho Joaquim Inácio Cardoso, alferes do Exército e ativo participante da Proclamação da República no Rio de Janeiro. “Vocês fizeram a República que não serviu para nada”, reclamava o capitão. “Aqui agora, como antes, continuam mandando os Caiado”.[341] Joaquim Inácio, já citado em outro capítulo, seria o avô do futuro presidente da República Fernando Henrique Cardoso, cujo governo, mais de um século após a Proclamação da República, contaria em Goiás com o apoio do deputado Ronaldo Caiado, ex-presidente da UDR (União Democrática Ruralista) contra o mst(Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), que reivindicava reforma agrária, uma das muitas promessas adiadas pelo regime republicano.
NOTAS:
[320] Machado de Assis, Esaú e Jacó, pp. 121 -126.
[321] “The fall of Dom Pedro”, The New York Times, 16/12/1889, citado em Celso Castro, Os militares e a República: um estudo sobre cultura e ação política, p. 192.
[322] Diário Popular, de São Paulo, 18 de novembro de 1889, citado em Hélio Silva, 1889: a República não esperou o amanhecer, p. 87.
[323] Heitor Lyra, História de dom Pedro ii, vol. iii, p. 97.
[324] Emmanuel Sodré, Lauro Sodré na história da República, p. 38.
[325] Raimundo Magalhães Júnior, Deodoro: a espada contra o Império, p. 93.
[326] Gilberto Freyre, Ordem e Progresso, pp. cxiii e 12.
[327] Celso Castro, Os militares e a República, p. 194.
[328] Gilberto Freyre, Ordem e Progresso, p. 9.
[329] Heitor Lyra, História de dom Pedro ii, vol. iii, pp. 119 e 158.
[330] Ibidem, p. 206.
[331] Gilberto Freyre, Ordem e Progresso, pp. 6 e seguintes.
[332] Heitor Lyra, História de dom Pedro ii, vol. iii, p. 158.
[333] Idem, História da queda do Império, p. 355.
[334] Renato Lemos, Benjamin Constant: vida e história, p. 441.
[335] Ibidem, p. 418.
[336] Elmar Bones, A espada de Floriano, p. 127.
[337] Suely Robles Reis de Queiroz, Os radicais da República: jacobinismo, ideologia e ação, 1893 -1897, p. 257.
[338] Gilberto Freyre, Ordem e Progresso, pp. 48 -49.
[339] José Murilo de Carvalho, Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi, p. 22.
[340] Para um relatório detalhado sobre o tema, ver Carlos de Laet, Década republicana — a imprensa, pp. 195 -261. Embora se trate de uma investigação conduzida por um monarquista, suas informações nunca foram contestadas.
[341] Elmar Bones, A espada de Floriano, p. 130.
Dornberger
Dornberger
Admin

Mensagens : 100
Data de inscrição : 21/05/2013

Ir para o topo Ir para baixo

LIVRO: 1889, de Laurentino Gomes Empty Re: LIVRO: 1889, de Laurentino Gomes

Mensagem por Winston Churchill Sex Set 06, 2013 11:41 am

A maneira com que o novo regime se instalou mostra uma apatia do brasileiro impressionante. Imagino se o PT dá um golpe como esse com parte das FA apoiando..tamos tudo fudido.
Winston Churchill
Winston Churchill

Mensagens : 234
Data de inscrição : 18/05/2013
Idade : 47
Localização : Campinas, SP

http://www.clubedosgenerais.org

Ir para o topo Ir para baixo

Ir para o topo


 
Permissões neste sub-fórum
Não podes responder a tópicos